quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Psicoterapia de casal

O filme “Um divã para dois” promoveu a produção deste artigo, que pretende explorar alguns aspectos e possibilidades da terapia de casal.
Algumas pessoas acham que é bobagem fazer terapia e mesmo quando reconheçam a utilidade deste recurso, escondem dos amigos e familiares, muitas vezes por falta de conhecimento sobre o assunto. Atendo casal e família, sei o quanto é difícil compartilhar as suas intimidades com um estranho. Isto também ocorre na terapia individual, mas logo que o vínculo é estabelecido se torna mais fácil. No entanto, na maior parte das vezes, o casal chega ao setting terapêutico já com sua intimidade às avessas, nem eles próprios sabem mais o que é intimidade. Ou seja, são dois estranhos que naturalizaram a intimidade, fazendo do outro um objeto de posse. A comunicação já se tornou falha, ambos olham para o casamento com diferentes perspectivas, que possivelmente estão distorcidas.
Em nossa experiência profissional, encontramos as mais variadas formas de crise em relacionamentos conjugais e/ou em diferentes fases.
No entanto, não é raro encontrarmos um aspecto comum: a falta ou dificuldade na comunicação.
Quando a relação se desgasta, ou está em crise, o ser humano tem muita facilidade para enxergar onde o outro erra, mas pouco reconhece a própria responsabilidade. Assim acontece em muitas relações, onde aquele que é afetado reage atacando ao outro. A máxima “a melhor defesa é o ataque” se cumpre no cotidiano sem que se tenha consciência. É mais fácil falar do outro, o atribuindo algum adjetivo ofensivo, do que simplesmente relatar como somos afetados em determinada situação. (Somente os nossos afetos são capazes de nos afetar). Parece que falar de nossas dores se torna ameaça ou risco, capaz de revelar nossa fragilidade ao outro. Engano comum, no entanto, pois quanto mais for escondida a própria autenticidade, maior será o afastamento de uma situação saudável. Por isso, no processo terapêutico, a primeira regra gira em torno de “falar com” no lugar de “falar de”. É sugerido que ambos dirijam a palavra diretamente ao parceiro, de forma que informem como são afetados frente à determinada situação. Qualquer tentativa de acusação é sinalizada pelo terapeuta, para que ambos se deem conta da própria responsabilidade na relação. Pode parecer fácil, mas hábitos são difíceis de mudar.
Também não é difícil encontrar situações semelhantes àquela mostrada no filme, quando a iniciativa e o investimento (emocional, psicológico ou financeiro) são feitos por apenas um dos envolvidos, e, o outro é apenas trazido pela mão. Entretanto, durante o processo, é normal sermos surpreendidos por aquele que foi convencido a vir, pois é possível que ele acabe por se comprometer cada dia mais, tão logo se dê conta de algum benefício.
A sexualidade, como no filme, surge como questão em algum momento, revelando por vezes crenças, valores e “pré-conceitos”, ora defasados ora distorcidos.
Muitos desejos foram reprimidos durante o desenvolvimento individual e/ou do casal, que também pode guardar muitos segredos e mitos que demandam atenção. Gosto também do filme “A história de nós dois”, que retrata a crise do casamento em outro ciclo familiar. Tem uma cena marcante, que apresenta o casal discutindo na cama, revelando os fantasmas que os acompanham naquele momento. O diretor colocou atrás de cada cônjuge os seus respectivos pais, simbolizando a influência da família de origem. Cada frase proferida por eles era contaminada pelas opiniões dos respectivos pais. O quadro fala por si, quando materializa muito do que está fora da consciência do casal, a saber, os pais e suas opiniões diante da vida. É uma cena que nos faz rir, mas também nos provoca a reflexão sobre o quanto somos atravessados por crenças e valores, que muitas distantes de nossa experiência pessoal.
O processo terapêutico se desdobra com mais facilidade quando o vínculo com o terapeuta se faz presente. Só então, será possível aos participantes perceberem que o profissional não faz qualquer julgamento, pois ao contrário, é aquele que respeita e favorece o desenvolvimento das potencialidades individuais e do casal. A partir daí, qualquer proposta de exercício ou vivência poderá ser feita pelo terapeuta, para auxiliar no desenvolvimento dos clientes. A cada dia, os envolvidos vão se reconhecendo, se “des-cobrindo”, revelando os seus limites e ampliando novas capacidades de escolha.
Como em qualquer processo terapêutico, não há um prazo definido para a resolução de conflitos, ou seja, a alta. Durante o processo, novas questões emergem, podendo demandar mais tempo. A alta é definida pelos clientes, que ao encontrarem o próprio suporte, passam a espaçar mais os encontros terapêuticos até que o fechamento do processo seja alcançado.
Nem sempre a terapia de casal fará com que o casamento seja resgatado ou se construa feliz. Mas, certamente a procura de ajuda profissional poderá proporcionar um desdobramento mais saudável para os envolvidos. Independente de o resultado ser a união ou a separação, tanto o casal, como cada um dos indivíduos podem ser beneficiados com o processo. A descoberta de como, de fato, estão funcionando pode oferecer a oportunidade de se abrirem para novas escolhas, mais responsáveis e autênticas. Afinal, qualquer processo terapêutico tem como objetivo “des-cobrir” o ser, no sentido de revelar-se, ou seja, descortinar a si mesmo. Isto feito, a escolha é do cliente: permanecer ou se arriscar a mudar.
De fato, o benefício relatado por aqueles que já vivenciaram o processo terapêutico se revela maior do que o previsto, tendo em vista que envolve as diferentes formas de contatar o “outro” e a si mesmo. Muitos afirmaram que as mudanças foram notórias em relação a diversos aspectos e diferentes formas de se relacionar. Assim como a terapia de grupo, não faz parte de nossa cultura lançar mão do recurso terapêutico de casal. Aliás, ainda é possível ouvir por aí que psicoterapia, independente da modalidade, é “coisa de maluco”. No entanto, a terapia de casal traz bons frutos para cada indivíduo, tornando mais rápido o processo de reconhecer-se, revelar-se, descobrir-se. Ainda que em alguns casos a terapia individual seja recomendada, a de casal, quando possível, pode tornar também o processo individual mais rápido. O reconhecimento dos limites individuais, das diferentes perspectivas, o fortalecimento e a flexibilidade do contrato conjugal podem fazer com novos potenciais encontrem caminho para se propagar.
Fazer parte deste processo de transformação, muito nos engrandece, tanto profissional quanto pessoalmente. Sendo semelhante à experiência de assistir ao espetáculo do desabrochar de uma flor, essa transformação que se desdobra no setting terapêutico, nos torna parte integrante da natureza humana. Tudo isso é tão gratificante e emocionante quanto a assistir aos espetáculos da natureza, pois nos lembra do quanto somos, ao mesmo tempo, parte e todo, espectadores e parte integrante, deste todo chamado universo.

Patrícia Simone


















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