segunda-feira, 20 de maio de 2013

Para tudo tem remédio?

Ultimamente, a discussão sobre a propagação de pílulas para a felicidade anda em voga. No Brasil e no mundo, cresce a procura por medicação para todos os males. Mas, seria a medicação a única opção?

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Diversos diagnósticos psiquiátricos caíram na “boca do povo”. Assim, os clientes já chegam ao consultório devidamente “rotulados”. Me espanta quando a mãe informa que a professora diagnosticou seu filho com tal diagnóstico, mas que discordou consideravelmente após pesquisa na Internet, o que a fez considerar outro diagnóstico. Me assusta ainda mais quando o diagnóstico, certo ou errado, rotula a criança ou o adulto, muitas vezes resultando em medicações desnecessárias.  Na maior parte das vezes o pseudo diagnóstico está muito longe da realidade do cliente, mas o estrago está feito, a estigmatização transforma aquele ser em uma categoria qualquer, ignorando a pessoa que existe por trás do sofrimento que a acompanha. Temos ainda um outro problema, mesmo que o diagnóstico tenha sido realizado por algum profissional de saúde mental, nem sempre está correto, pois muitos tipos de transtorno exigem uma equipe profissional para que seja definido com clareza.

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Há ainda uma outra questão deveras preocupante. Em saúde mental há um manual, que é considerado como a bíblia da psiquiatria, chamado DSM e outro denominado CID 10. O DSM-4 está em vias de ser atualizado para DSM-5 a qualquer momento. Entretanto, antes de sua publicação oficial, diversas categorias de profissionais e estudiosos de saúde mental estão reagindo contra, devido a diversos aspectos dessa nova forma de “formatar” o sofrimento humano.

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Na França, desde o DSM-3, os psiquiatras discordavam de muitos aspectos desta normatização, o que tornou possível o desenvolvimento do Manual francês  CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000 – Segundo o sociólogo Manuel Vallee.  A categoria TDAH (trasntorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), tão difundido e alcançando uma quase epidemia no Brasil, lá não existe. Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Para ler mais clique aqui.

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Tanto no Brasil como no resto do mundo, a proposta DSM-5  está causando duras críticas, com discordância em vários aspectos do manual. Dentre as diferentes manifestações, a força da Indústria farmacológica tem sido o maior alvo. Novas categorias nosológicas foram acrescentadas, diminuindo consideravelmente a porcentagem de “normalidade” na população mundial. O referido manual parece “oficializar” muito do que já vem acontecendo frequentemente em muitos lugares, a escolha de medicação “confortar” qualquer alteração de comportamento, enfrentamento da dor, conflitos existenciais ou tristeza. De fato, é preocupante a possibilidade de transformar obstáculos naturais do desenvolvimento humano em  rótulos que podem exigir algum tipo de medicação.

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Felizmente, não há consenso em relação ao assunto, tanto quanto não há aceitação de todas as indicações previstas nesses manuais. Muitos psiquiatras são holísticos, considerando assim, a pessoa em detrimento do diagnóstico. Muitas vezes o psiquiatra indica a psicoterapia, seja em parceria com a medicação, ou como única forma de tratamento. Psicólogos, em geral, indicam psiquiatras quando o cliente apresenta algum tipo de alteração química no organismo. Em geral, o profissional indicado também prioriza o ser humano, sem desconsiderar o diagnóstico. Assim, ainda é possível que o ser humano encontre lugar para que suas questões sejam vistas sob outro enfoque, considerando seu contexto e sua singularidade. Mais do que nunca, é necessário que haja muito cuidado com psicodiagnósticos que exigem algum tipo de medicação. Antes, é preciso verificar a competência dos profissionais envolvidos, sendo possível que a confirmação diagnóstica seja realizada por outro profissional, em caso de dúvidas.

Quando a intervenção medicamentosa é indicada, é necessário que o profissional de saúde mental explique detalhadamente as ações e possíveis reações, bem como os benefícios advindos de sua aplicação. O acompanhamento psicoterapêutico muitas vezes é feito em parceria,  psicólogo e opsiquiatra visam, em alguns prognósticos, a retirada e/ou dimunuição progressiva das drogas. Em outras situações, quando a medicação é necessária para o resto da vida, o acompanhamento psocoterapeutico pode representar melhor qualidade de vida, visto que prioriza o ser humano dentro de sua realidade particular, sua singularidade.

Seja qual for o profissional, seu estudo muito pode contribuir para o bem estar do ser humano. Entretanto, não podemos esquecer que a maior autoridade sobre a pessoa é a própria pessoa, que nunca pode deixar de ser ouvida, acolhida e considerada. A indicação da terapia, medicamentosa ou psicológica, para ter sucesso deve contar com a participação efetiva do cliente. O termômetro será sempre o ser em questão, muito contribuindo para a indicação adequada.

Enquanto  não houver um Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais exclusivamente brasileiro que considere nossa realidade biopsicossocial, temos obrigação de priorizar o que há de singular do ser humano que nos procura. Quanto ao alívio de todas os sofrimentos e alterações comportamentais através de medicações que prometem felicidade, é preciso cautela. Pois, a felicidade e o equilíbrio saudável do ser está muito mais entrelaçado com sua capacidade de lidar com as adverdidades da vida, do que com a inexistência de conflitos, dores e obstáculos. A vitória só tem sabor diante da luta, dos erros, das perdas e derrotas enfrentadas durante o processo. Viver enfrentando as próprias limitações, facilita a ampliação do  próprio repertório de potencialidades. O psicólogo é o profissional indicado para auxiliar no processo de auto-conhecimento, servindo de suporte ao cliente, até que ele encontre o autossuporte. Por outro lado, o psiquiatra é o profissional qualificado para prescrever, quando necessário, a medicação adequada, principalmente quando as alterações bioquímicas do organismo causam sofrimento, dor e prejudicam o funcionamento do sujeito no mundo.

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Quando necessário busque ajuda. Mas, não accredite em pílulas mágicas. Procure o equilíbrio, seu ou de alguém que você ama, e, quando não for possível alcançá-lo, procure quantos profissionais forem necessários até que seja possível estabelecer o vínculo necessário para seu progresso.

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